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Paulo Bracks, sobre passagem pelo Vasco: ‘Eu achava que teria condições financeiras para fazer as contratações que queríamos, e não tive’

Paulo Bracks, sobre passagem pelo Vasco: ‘Eu achava que teria condições financeiras para fazer as contratações que queríamos, e não tive’ Sábado, 22/06/2024 – 13:18 O Santos está próximo de contratar o executivo de futebol Paulo Bracks como novo CEO (do inglês Chief Executive Officer, um diretor-executivo) do clube. O executivo terá uma reunião com o presidente Marcelo Teixeira para comandar o futebol do clube rumo à reestruturação na Série B.

Com mais de 15 anos de experiência no futebol, Bracks é advogado de formação e se especializou em gestão. Ele ficou conhecido pela passagem no América-MG, onde começou como gestor de base e depois ao profissional em 2019. Em sua gestão, o Coelho subiu para a primeira divisão e chegou na semifinal da Copa do Brasil.

Após passagens por Internacional e Vasco, o profissional conversou de forma exclusiva com o ge sobre sua participação na Conferência Global da Associação dos Diretores Esportivos, em junho.

Bracks falou sobre o intercâmbio de experiências no congresso e o atual momento das SAFs no Brasil e no mundo.

ge: Você é o único brasileiro a participar da Conferência Global da Associação dos Diretores Esportivos. Como foi o convite e sua participação?

A ideia do convite veio porque o congresso teve um viés mais global, com temas que interessam o ecossistema do futebol na Europa e na América Latina. Um dos temas é a MLS (liga de futebol dos Estados Unidos), outro tema é a Liga da Bélgica, que tem quase todos os clubes dentro de uma estrutura clubes com donos), e um dos temas é o recrutamento de jogadores, que é o painel que eu participo. O termo “recrutamento” é um pouco militar, mas é como é chamado no exterior: a prospecção de jovens jogadores e o sistema de vendas.

ge: As cifras envolvendo jovens jogadores estão cada vez mais altas, e clubes estão batendo recorde de faturamento ano após ano. Como essa questão é vista por dirigentes?

Vivemos um momento em que questões financeiras estão pulsando como nunca. O futebol está cada vez mais profissional. Veja como exemplo: é a primeira vez que a UEFA tem que analisar a participação de dois clubes com os mesmos donos na Liga dos Campeões, caso do Manchester City e do Girona na próxima edição, de 2024/24. Essas questões estão presentes aqui no Brasil também, com todo o movimento de SAFs, e irão mudar nosso futebol ano após ano.

ge: Depois de todo o contato com diretores executivos e de futebol do mundo todo, a pergunta que fica é uma: como o Brasil está em termos de estrutura? Quais são as diferenças da organização dos clubes aqui no Brasil e lá fora?

Na Europa, a estrutura do futebol é muito mais complexa e há mais funções e papéis mais bem definidos que no Brasil. Aqui, por uma questão de maturidade, o diretor de futebol concentra diversos papéis, como o administrativo, jurídico e esportivo. Na Europa, há vários diretores. Veja o exemplo do Liverpool, que em uma semana só trocou toda a estrutura de futebol no contexto da saída do Jurgen Klopp e chegada do Arne Slot. Tudo isso é gestão. Não é que o Liverpool é muito maior que nossos clubes, é que o clube está mais bem estruturado, com mais pessoas organizando.

ge: Você acredita que essa estrutura mais enxuta dos clubes é por uma questão financeira ou de maturidade?

Maturidade. A função do diretor de futebol é muito nova no Brasil. Até o início dos anos 2000, você tinha a estrutura do diretor estatutário e o presidente, que tinham seus empregos e iam ao clube como um segundo emprego, normalmente saindo de seus escritórios de advocacia. Era uma estrutura em que duas ou três pessoas tomavam conta do futebol como um todo. Hoje, já temos uma estrutura em que uma pessoa toma conta do jurídico, uma da logística, outra do departamento de performance…e na Europa, há uma evolução dessa divisão, com diretores de diversas áreas respondendo a um diretor geral. Isso é essencial, porque você consegue melhores resultados.

ge: É curioso você citar essa divisão, porque isso se reflete também nas comissões técnicas. Quando o Jorge Jesus chega ao Flamengo, ele anuncia uma comissão com seis profissionais. Abel, no Palmeiras, com cinco profissionais, todos aparecendo na capa do livro feito sobre as temporadas vencedoras.

É um dos fatores. O ponto é que nunca estivemos tão abertos, tão propensos à muidança. Durante muitos anos, era só o treinador e o auxiliar. Depois o preparador físico vinha. E agora começou a ter uma comissão maior. Lembro do Luxemburgo no Atlético Mineiro, em 2010, que trouxe uma comissão técnica com seis pessoas, o que na época era um ponto fora da curva. Hoje é normal o treinador trazer sua comissão completa, e hoje felizmente vemos isso como natural. O Brasil está aberto. Dos 20 clubes da Série A, temos 10 com treinadores estrangeiros. Estamos abertos a trazer diretores esportivos de fora, a conhecer um pouco mais dessas tendências para cá, de aprender com eles.

ge: Você teve experiências em clubes gigantescos como Internacional e Vasco, que vivem um momento de pressão pelo jejum de títulos. Como a falta de conquistas recentes afeta a gestão como um todo? Sabemos que há menos tempo, muito menos paciência…mas o que fazer nesse cenário?

É sempre um desafio trabalhar sem a conquista do título, porque a pressão é grande. Você precisa comunicar muito bem o objetivo do clube, entender os atores do clube, saber lidar com a torcida que cobra…a comunicação do clube precisa ser transparente, e claro que tem assuntos que não podem ser exteriorizados, mas penso que uma comunicação clara é o principal pilar para alinhar a expectativa e fazer torcedores comprarem a ideia. O que dificulta é estar longe do topo e não saber o norte do clube. Isso causa um alvoroço no torcedor. Mesmo sem título, é preciso de estabilidade.

ge: Por onde começar? Como lidar com essa pressão imensa por resultado em clubes que simplesmente não estão preparados para vencer?

O resultado de campo não acontece do dia para a noite. Especialmente para um clube que está sofrendo por anos. Tem que trabalhar meta a meta, objetivo por objetivo. Tendo em mente o objetivo do clube, tudo é facilitado. Nesse momento, algumas perguntas precisam ser feitas: como está o Centro de Treinamento desse clube? Como estão as dívidas desse clube? Como estão os contratos com jogadores desse clube? Diagnóstico de curto, médio e longo prazo. Aí sim, você começa a ter uma visão muito mais completa e consegue estabelecer alguns primeiros objetivos. Clubes instáveis precisam desse tipo de organização, e precisam manter a arrumação. Não é do dia para a noite, de seis meses, muitas vezes tudo leva anos. E a comunicação é muito importante, para torcedores e mídia, de forma que gere transparência na reestruturação. A camisa, por si só, já não faz mais resultado no Brasil. O que faz é a gestão.

ge: Tem algum exemplo de uma gestão extremamente bem feita que ainda não resultou em títulos?

Dou o exemplo do Arsenal. O dono do Arsenal é o mesmo dono do Colorado Rapids, o Stanley Kroenke. Ele assumiu o clube no contexto dos anos finais do Arsene Wenger, pegou a transição e tornou o clube um clube formador, com diversos jovens de base. O Arsenal está sempre próximo de conquistar a Premier League, com cada vez mais pontos a cada liga. Pega o número de pontos para o líder de 2020 para agora, em 2024. É um clube que está pronto, é um clube profissional, que investe em gestores e base. É um case de sucesso, mesmo sem título, porque o clube está pronto para vencer.

ge: Você é um dos poucos diretores a ter passado por clubes estruturados de maneira tradicional no Brasil e por uma SAF, que foi o caso de sua passagem no Vasco em 2023. Como você enxerga a experiência das SAFs no futebol nos últimos anos? Erros e acertos?

Estamos na terceira ou quarta tentativa de legislação sobre SAF no Brasil. Na Itália e na Espanha, a lei é da década de 1990. Na Inglaterra, temos clubes com donos desde a década de 1980. Veja que temos 30 anos de defasagem para outros centros, em termos jurídicos. Dos 20 clubes da Série A, temos 8 que são SAFs, sendo 4 dentro do modelo MCO, com grupos esportivos controlando o clube – o Bahia do Grupo City, o Botafogo, o Vasco até pouco tempo atrás com o 777, e toda a estrutura do Red Bull. Não há mais retorno para essa tendência. O que a SAF nos mostra é que o sucesso não tem a ver com ser ou não SAF, mas sim com gestão. Pega os últimos clubes campeões do Brasileirão e da Libertadores: não são SAF! São bem geridos. O que determina o sucesso não é ter ou não um CPNJ, mas sim uma gestão bem feita. Esse é um caminho sem volta, e nos faz focar cada vez mais na importância de uma gestão bem estruturada.

ge: Você entende que clubes bem geridos irão perdurar, mesmo aqueles que não possuem tradição ou “camisa forte” como outros?

A tendência hoje é que a influência do amador, que só ama o clube, diminua com o tempo. O que pode acontecer é que o amador compra o clube, e aí ele tem inferência direta! Mas são casos isolados. Há uma resistência no Brasil, porque temos muitos clubes grandes que sempre ganharam muitos títulos. Só que hoje, o que ganha título é gestão, e não mais camisa ou um jogador fora de série. É só olhar Palmeiras e Flamengo: é o conjunto, é a gestão, e vem de anos, não foi do dia para a noite O gestor, quando entra no clube, recebe uma mala extremamente pesada, que o gestor precisa carregar. Nessa mala tem erros de gestões passadas, a pressão da torcida…não dá pra controlar essa variável e tudo tem o imediatismo do torcedor, da imprensa. Só que as coisas não se resolvem do dia para a noite. Precisamos de tempo para estruturar e tornar um clube pronto para ganhar.

ge: Em maio do ano passado, você deu uma coletiva de imprensa muito diferente da tradicional, na qual abriu o planejamento do Vasco e admitiu publicamente um erro no planejamento, referente a uma posição. Foi um momento de transparência que é pouco visto no futebol, meio de muito ego envolvido. Como foi aquele momento para você? O que passou na sua cabeça?

Eu queria ter falado antes! Quando consegui a autorização para dar a coletiva, porque tínhamos uma hierarquia, me preparei para não ter limite de tempo, nem de perguntas, de forma a ser o mais transparente possível. Passamos por três meses terríveis, em que não ganhávamos, as coisas não davam certo. Aquele momento que o Vasco vivia precisava de uma cara, de alguém que falava. Não era o estilo das pessoas que comandavam o clube, no caso a 777, uma escolha deles, que eu não concordo. Decidi arriscar e mostrar o planejamento feito para o semestre, o planejamento feito para o segundo semestre e expor as questões ao torcedor. Conseguimos trazer jogadores de nível internacional como o Gary Medel, jogadores prontos para performar como o Vegetti e o Maicon, e eu achava que teria condições financeiras para fazer as contratações que queríamos, e não tive. Tive dificuldades financeiras, fizemos vendas, e assumi erros e acertos para o torcedor entender o que estava sendo feito. Isso gera empatia e conexão com o torcedor.

Fonte: Blog Painel Tático – ge