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Michel: ‘A minha pior fase em relação à depressão e a esses momentos que passei foi quando vim para o Vasco’

Michel: ‘A minha pior fase em relação à depressão e a esses momentos que passei foi quando vim para o Vasco’

Michel fala sobre sua passagem difícil pelo Vasco

Campeão da Libertadores pelo Grêmio em 2017, o volante Michel passou três anos afundado em depressão depois de enfrentar várias lesões no joelho esquerdo. Entre 2022 e 2023, ele sequer conseguia correr com sua filha, muito menos jogar futebol.

O joelho e a cabeça não deixavam. A pausa na carreira durou de 2021 a 2025, quando retornou aos gramados no estado em que iniciou sua carreira, o Rio de Janeiro. O volante está disputando a Série A2 do Carioca pelo São Gonçalo, campeão da Taça Santos Dumont — troféu da primeira etapa do torneio. O time entra em campo para o segundo jogo das semifinais do torneio contra o Olaria neste sábado, às14h45, no estádio de Los Larios, em Xerém – o primeiro jogo terminou empatado em 0 a 0.

Michel fala sobre o atual momento no São Gonçalo

Aos 35 anos, Michel conta que renasceu para a vida e para a bola. Ele lembra os momentos de maior dificuldade, quando a depressão ficou tão profunda que ele chegou a tentar o suicídio.

— A minha pior fase em relação à depressão e a esses momentos que passei foi quando vim para o Vasco. Era pandemia, eu já estava sofrendo com problemas do joelho, tentava voltar a jogar e não conseguia. Eu vim para o Vasco, joguei alguns jogos só e tive que fazer cirurgia, tudo de novo. Acabou que eu comecei a ter problemas também familiares, no meu casamento, e foram vários fatores que contribuíram para essa situação de depressão. Teve um momento em que eu tentei tirar minha vida, acabar com todo esse sofrimento.

Michel falou em dois momentos com o ge. Num deles, registrado no vídeo que abre a matéria, comentou como a vida no futebol é bem mais dura do que parece pela TV.

– A minha vinda para o Rio (em 2021), na verdade foi uma aposta. Eu, com o sonho de querer voltar a jogar, estava voltando de cirurgia, estava bem treinando no Grêmio, e achei que o Vasco seria o início da minha retomada. Mas não foi exatamente isso. Até porque aconteceu a pandemia e eu comecei a passar por alguns problemas pessoais, comecei a voltar a sentir dor.

– Muitas das vezes a pessoa acha que jogador é só aquilo ali: “ah, vai pro Vasco ganhar dinheiro e ficar encostado”. Mas não é isso. A gente vive isso aqui, jogador vive o futebol. Então fora disso aqui a gente não é nada. Acho que não é só isso, né, relação com dinheiro. É um sonho, um sonho que a gente busca desde criança, pra chegar até ali. E muitas vezes a gente tá jogando com dor, tá treinando com dor. E muitas pessoas não veem isso. Então é muito além daquilo que as pessoas veem na televisão.

Os problemas começaram em 2017, quando vivia o auge na carreira. Michel sofreu a primeira lesão durante a campanha do título da Libertadores pelo Grêmio. Pouco antes, havia sido um dos destaques do Brasileiro daquele ano. Em 2021, já no Vasco, uma nova lesão e mais uma cirurgia abalaram o volante, que entrou em depressão. No total, Michel precisou passar por sete cirurgias.

Michel concedeu entrevista também ao canal Charla, no YouTube, em janeiro de 2024, na qual relatou, pela primeira vez, os problemas que passava. Dois meses depois, em entrevista ao jornalista Duda Garbi, o jogador entrou em detalhes sobre o pior dia de sua vida.

— Eu estava em casa sozinho, tinha brigado com a minha esposa. Tomava remédio para conseguir dormir e decidi pôr um fim em tudo. Tomei Rivotril (medicamento ansiolítico), acho que sete comprimidos de uma vez. Caído no chão da sala, quase desmaiando, consegui pegar o celular e ligar para a minha esposa: “Me ajuda” – contou em março de 2024 ao jornalista Duda Garbi.

Michel foi socorrido e levado às pressas ao hospital. O jogador se salvou graças ao atendimento rápido dos médicos e pela atitude de sua companheira. Depois do caso, o jogador intensificou tratamento clínico e psicológico. Michel recebeu amparo de Vasco e Grêmio, além do apoio de amigos e família. Hoje, ele continua com acompanhamento e comemora: “Graças a Deus, tudo passou”.

Quando voltou para ao Grêmio, em 2022, Michel esperava retornar aos gramados. Mas precisou enfrentar outra cirurgia, outro tratamento e acabou em outro clube, o Operário. Em agosto daquele ano, Michel reencontrou o Grêmio em um dia para esquecer: o Operário foi derrotado por 5 a 1. O volante atuou por 45 minutos em seu único jogo pelo time paranaense.

— Eu conversava com a minha esposa: “Não aguento mais viver em cima de uma maca, tratando, as pessoas falando, a torcida falando que eu só ia para o clube para roubar”. Cara, eu não queria aquilo. A minha mente era ir para o clube para ajudar, conseguir voltar a jogar, que era o que eu mais amava fazer.

* Se você estiver passando por sofrimento emocional ou conhecer alguém que esteja, procure o Centro de Valorização da Vida (CVV), instituição que oferece rede de apoio com escuta acolhedora e sigilosa a quem precisa conversar. As ligações para o número 188 são gratuitas, e o atendimento acontece 24 horas por dia.

O começo do drama

Michel chegou ao Grêmio em 2017, após conquistar o título da Série B pelo Atlético-GO. Durante a campanha que resultou no tri da América, ele começou a relatar um incômodo no joelho esquerdo, que o fez passar pela primeira das sete cirurgias. Faltando três semanas para a final da Libertadores, Michel foi operado e, mesmo assim, conseguiu entrar no segundo tempo da partida, ajudando o Tricolor a conquistar a sua última Libertadores.

Segundo ele, a intervenção no menisco gerou um problema recorrente. Ele lembra que sentiu muitas dores na região depois da artroscopia e que as consequências do procedimento nunca foram bem explicadas a ele.

— Se fosse esclarecido, seria muito menos pior, até psicologicamente para mim. Se fossem me perguntar se você quer fazer cirurgia, quer tirar o seu menisco para jogar, eu ia falar que queria jogar, entendeu? Mesmo sabendo do risco depois, das consequências, e foi o que aconteceu. Foi retirado totalmente o meu menisco e depois comecei a sofrer com a sobrecarga. Aí veio a lesão de cartilagem, em que sofri até os últimos jogos da minha carreira no Grêmio.

Michel teve outros problemas físicos em 2018 e fez nova cirurgia no joelho esquerdo em 2019.

Uma vida de volta

A situação começou a melhorar no fim de 2023. Sem aguentar mais viver com dor, Michel buscou tratamento em Porto Alegre e fez um procedimento que usa células-tronco para regeneração de tecidos. A cirurgia foi um sucesso.

— Vou ser bem sincero. Eu busquei o tratamento não para tentar voltar a jogar, mas para ter uma vida. Porque eu não tinha vida relacionada ao meu joelho. Não conseguia jogar uma pelada, não conseguia correr para brincar com a minha filha, eu sentia dor para tudo. Foram dois anos de muita luta, desde que eu parei. Só que eu só tinha parado na minha mente, tanto que não anunciei aposentadoria nem nada.

No ano seguinte, Michel começou a pensar na volta aos gramados. E o convite chegou no início deste ano, através de Tinoco, técnico do São Gonçalo. Michel e Tinoco se conheceram na comunidade da Penha, no Rio de Janeiro, quando ainda sonhavam ser jogadores de futebol. Tinoco não conseguiu trilhar uma carreira de sucesso como atleta, tornando-se treinador.

Quando o técnico assumiu o São Gonçalo, time que atualmente disputa a Série A2 do Campeonato Carioca, Michel pediu uma oportunidade para treinar e entrar em forma. Poucos dias depois, surgiu a chance de fazer parte efetiva do elenco da equipe.

— Depois desses dois anos, de ter encerrado a carreira precocemente, para mim é uma felicidade imensa estar aqui hoje, voltando a fazer o que amo, e voltando sem dor.

Renascido

A volta de Michel aos gramados ocorreu no dia 17 de maio, na vitória do São Gonçalo por 2 a 1 em cima do Americano, pela estreia da Série A2 do Campeonato Carioca. O volante atuou os 90 minutos. Fundado em 2010, o time busca o acesso inédito à elite do Rio de Janeiro. Bangu, Araruama e Olaria também avançaram às semifinais. Apenas o campeão garante vaga na Série A1 de 2026.

Para Michel, é uma oportunidade de retornar aos bons momentos. Ele sonha ainda voltar a marcar um gol, como nos bons tempos do Grêmio. Por lá, foram 114 jogos, oito gols e dois títulos: uma Libertadores e uma Recopa. Além disso, ele disputou a final do Mundial de 2017, contra o Real Madrid. De falta, Cristiano Ronaldo marcou o único gol do jogo. A partida foi especial para o volante, já que pode enfrentar seu ídolo, Modrić.

Desde o primeiro jogo, um Gre-Nal, o volante ganhou o apoio de Renato Gaúcho. O técnico passou confiança e tranquilidade a Michel, que retribuiu e agarrou a oportunidade. O treinador também é um dos responsáveis na volta por cima de Michel, por ter se mantido ao lado do volante no momento em que estava com depressão.

— O Renato (Gaúcho, então técnico do Grêmio) conversou comigo com total confiança. E eu conversei alguns dias antes desse Gre-Nal com um amigo que trabalha no Grêmio como captador. Ele disse: ‘Cara, tu quer ganhar a torcida? Dá uma no D’Alessandro. A primeira que tu der no D’Alessandro, tu vai ganhar a torcida’. E não deu outra. A primeira que o D’Alessandro pegou, já dei um carrinho. Tomei cartão, mas já ganhei o carinho da torcida — lembra, rindo.

Brincadeiras à parte, Michel ficou conhecido por ser um volante com boa saída de jogo, que defendia bem, mas ajudava no ataque. O jogador elegeu um gol de cobertura do meio-campo contra a Chapecoense, em 2017, como o mais bonito da carreira. Sem fazer gols desde 2018, Michel espera uma nova oportunidade nesse novo desafio de sua vida. Mais que tudo, quer marcar seu nome em mais um clube.

Os gols de Chapecoense 3 x 6 Grêmio pela 5ª rodada do Campeonato Brasileiro

Fonte: ge