Prática é permitida no Brasil apenas para odontologia e estética Reprodução/Instagram
Contrariando recomendações de especialistas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu uma decisão polêmica ao sancionar, no dia 4 de agosto, a lei que autoriza o uso da ozonioterapia como tratamento de saúde complementar. O LeiaJá ouviu o biomédico Thiago França para saber quais os riscos apresentados por esse método para os pacientes.
A aplicação da substância que consiste na mistura de oxigênio e ozônio por via endovenosa, retal, intramuscular, intravaginal e vesical, é permitida no Brasil apenas em duas áreas: odontologia e estética. No entanto, em alguns países é defendida como um método de cura para doenças raras e de alto risco, alimentando a esperança daqueles pacientes que estão incrédulos dos tratamentos da medicina convencional.
“A busca por tratamentos alternativos e naturais tem ganhado espaço nos últimos anos, impulsionada pela desconfiança em relação à medicina convencional e pela promessa de soluções rápidas e eficazes. Entre essas alternativas, a ozonioterapia tem despertado interesse, mas resultados aparentemente imediatos nem sempre são duradouros e seguros”, afirma o biomédico, ao relatar que os defensores do tratamento alegam que a ozonioterapia pode ser eficaz no tratamento de doenças como câncer, infecções e doenças autoimunes.
Conforme a sanção do presidente, a técnica da aplicação será autorizada como um procedimento de caráter complementar, e a lei determina algumas condições para realizá-la. O tratamento só poderá ser conduzido por profissionais de saúde de nível superior, devidamente inscritos nos conselhos de fiscalização profissional.
Falta de evidências científicas
O Dr. Thiago França alerta que “a ozonioterapia carece de evidências científicas robustas que sustentem suas alegações de eficácia”. Além disso, pontua que estudos clínicos, reconhecidos pelas entidades médicas, e revisões sistemáticas não conseguiram demonstrar de maneira consistente os benefícios prometidos por essa terapia.
“A ausência de evidências sólidas coloca em risco a segurança e a saúde dos pacientes que buscam essa alternativa”, diz.
Embora esteja incluída no rol de práticas integrativas do Sistema Único de Saúde (SUS) desde 2018, a técnica tinha a utilização restrita a tratamentos específicos. Contudo, é observado nos últimos anos, clínicas de estética adotando a aplicação com a promessa de retardar o processo de envelhecimento de alguns pacientes.
De acordo com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a ozonioterapia “trata-se de procedimento ainda em caráter experimental”, que não possui reconhecimento científico para o tratamento de doenças. A Associação Médica Brasileira (AMB) também é contrária à liberação do procedimento e havia pedido o veto do Projeto de Lei (PL).
Durante a pandemia do Covid-19, a prefeitura do município de Itajaí, no estado de Santa Catarina, foi uma das que recomendaram o uso da ozonioterapia no tratamento do coronavírus e foi alvo de várias críticas. Na época, unidades hospitalares da cidade usaram a técnica por via retal para tratar pacientes com a doença, mesmo contrariando recomendação do Ministério Público.
O uso do tratamento em pacientes com Covid-19 pela prefeitura de município catarinense foi alvo do Ministério Público do Estado (MP-SC). Em 2020, no início da crise sanitária, o órgão acompanhou o caso e emitiu uma recomendação para que a prática não fosse adotada.
Riscos
Segundo o especialista, “a aplicação inadequada de ozônio no corpo pode ter consequências graves para a saúde”. Ele afirma que os perigos incluem “irritações no local da aplicação, queimaduras, danos pulmonares, reações alérgicas, infecções e até mesmo agravamento de condições pré-existentes”.
“O uso não regulamentado de equipamentos para a ozonioterapia pode aumentar a exposição a substâncias tóxicas”, pontua.
O biomédico relembra que “várias pessoas que adotaram o método informam que tiveram problemas com os efeitos colaterais”. Entre eles alterações no sistema nervoso, problemas cardíacos e irritações nas mucosas. “Já foram divulgados vários casos de lesões na pele e nos olhos, surgimento de problemas respiratórios e uma quantidade assustadora de reações alérgicas”.
Vale destacar que o risco aumenta em pessoas que apresentam quadros de hipertensão, diabetes descompensada, anemia, hipertireoidismo. Gestantes e pacientes com histórico de convulsões e hemorragias também precisam ficar em alerta.
Comparações
“A ozonioterapia está para Lula como cloroquina esteve para Bolsonaro”, afirma o Dr. Thiago França ao comparar a nova polêmica em torno do líder petista com as declarações feitas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) defendendo a adesão da cloroquina nas estratégias de tratamentos à pandemia do Covid-19.
“A aprovação de métodos sem comprovação científica representa um desafio significativo para a ciência e a saúde pública. É inevitável não comparar a aprovação da ozonioterapia por Lula com a promoção da hidroxicloroquina durante a administração de Jair Bolsonaro”, pontua.
“Em ambos os casos, a aprovação e promoção de métodos sem base científica podem levar a consequências negativas, como o uso inadequado de recursos de saúde, atrasos na adoção de tratamentos eficazes e a potencial exposição das pessoas a riscos desnecessários. A ciência depende de evidências sólidas e rigorosas para informar práticas médicas e políticas de saúde, e a decisão de aprovar métodos sem comprovação científica pode minar a integridade do processo científico e prejudicar a confiança do público na pesquisa e na medicina baseada em evidências”, completa.