noticiar diariamente casos de violência contra a mulher cansa e revolta

Nadine Shaabana/Unsplash

Mais um dia. Uma semana comum, que correria como qualquer outra, frenética. Mas tudo anda triste, desconfortável. O boa noite anda engasgado e as palavras fazem malabarismos na mente antes de ganharem o mundo em uma fala ora hesitante, ora enfática.

Eu sei, cansa. E esse cansaço não é individual. Eu sei disso porque ele é sentido desse lado aqui também. Ele é sentido do lado que, muitas vezes, parece ser inabalável.

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Eu sou uma jornalista, uma mulher jornalista. Eu falo desse lugar e por mais que eu tentasse, não há como se distanciar. Não há como esquecer o que somos e o que as pessoas são para falar sobre elas.

E sim, eu acredito num distanciamento mínimo para manter o rigor técnico do meu trabalho. Mas é impossível de despir de humanidade antes de transmitir uma notícia. E é fundamental que a gente enxergue e conte aquilo como gente. E como – gente – eu tenho que confessar e até desabafar, cansa…

Cansa transmitir casos recorrentes de violência contra a mulher. Agressões e feminicídios. Novamente e novamente. Na volta para casa eu busco entender o que dizem os números e como eles contam sobre vidas arrasadas por tantos algozes. O que vivem as mulheres paraibanas diante de um cenário devastador?

Histórias tão parecidas que falta, por vezes, o que dizer. Eu encorajo porque é isso que eu preciso e acredito que devo fazer. Encorajo as vítimas a procurar ajuda, isso é fundamental. Encorajo denúncias e redes de apoio, afinal, essas vítimas não estão sozinhas. Não mais, o mundo vem mudando, e eu agradeço por viver numa época onde acolher através da imprensa é possível.

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Mas os números mostram algo que precisamos enxergar: vivemos numa sociedade onde a vulnerabilidade é escancarada pelo poder. Um poder masculino, e isso eu sei enquanto jornalista e enquanto mulher, é o que os números me dizem.

Um poder que desafia leis, que destrói lares, que se acha forte o suficiente a ponto de acreditar na impunidade.

Um poder que de tão grande se aproveita do ápice da vulnerabilidade: a infância. Se aproveita da confiança, da família, do status, da classe e, inúmeras vezes, do sobrenome. Se aproveita, viola, abusa, traumatiza, faz uma lambança na humanidade do outro (mais precisamente, da outrA) e sorri, confiando no poder que parece ser inabalável.

Encorajar também cansa, porque a vontade é não precisar. A vontade é não ter que contabilizar vítimas que choram pelos horrores vividos. A vontade é não ter certeza que alguém que nos assiste, lê ou escuta conhece bem o que é sofrer uma violência.

Na lente da câmera que me encara eu vejo rostos tão indignados quanto o meu, mulheres em alerta, em tristeza, mulheres que veem o medo contrariar o português e se tornar substantivo feminino.

Então, além de encorajar, o que pode a mídia fazer?

Responsabilizar, nomear esse poder. Entender que numa sociedade onde tantas mulheres padecem no sofrimento o problema é coletivo, é político, é social. O problema é antigo, é o machismo impregnado na estrutura. Além de encorajar mulheres, precisamos falar sobre, não só corrigir os homens, mas criá-los de um jeito diferente, e isso é sobre uma sociedade inteira. O alvo tem que ser esse sentimento inabalável de poder. Traduzir os números no machismo estrutural, no entendimento do que é o patriarcado e como ele nos empurra, em pleno 2024, para realidades tão arcaicas.

Não tem sido suficiente a forma que vem sendo feita até aqui, mas já estamos recalculando a rota para acolher e responsabilizar quem precisa ser responsabilizado. É sobre nós, civis, e sobre o Estado como um todo. É sobre segurança pública, educação, saúde… e é urgente, porque os números cruéis, aqueles de dor e sofrimento das mulheres, esses números não param de aumentar.